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Uma história...

Saíram às 3 da madrugada, tinham que estar na rodoviária exatamente às 3:30, porém havia um grande problema (ou não), a casa deles ficava à exatos 40 minutos de lá, com ou sem trânsito, eram sempre 40 minutos. Saíram mesmo assim, a lua ainda estava alta, brilhante como sempre, quase sonolenta. Foram. No meio do caminho, 15 minutos de caminhada depois, encontraram um senhor, ele era cego, percebeu que alguém se aproximava e perguntou "Quem está aí?" "Nós", responderam. "Bem nós, não sei meu nome, nem sei se um dia tive, talvez sim, todos tem nome, mesmo que o nome seja um número, todos tem nome, podem me chamar de alguém ou ninguém ou quem, devem ter percebido que a vista me falta, sim sou cego, mas não de nascença, não de doença, ou melhor é uma doença sim, arrogância, há tempos atrás eu só via meu próprio nariz, minha visão cansou dessa vista imóvel e mudou-se para outro lar, nem me deixou lembranças, eu não me deixei lembranças, não sei como é o pôr do sol, o brilho da lua, o sorriso alegre, o choro igualmente alegre, não sei de nada, sou ignorante, não de nascença, mas de doença. Se não for de muita curiosidade de minha parte, para onde vocês estão indo?" "Bem , estamos indo à lugar nenhum, encontrar algum lugar, porém a essa altura já perdemos o ônibus, teremos que esperar até amanhã. De onde o senhor é". "Sou de algum lugar do qual não me lembro, não lembro de nada, não há nada do que tenho de me lembrar, nada. Infeliz? não, agora não sou infeliz, sou apenas alguém ocupando lugar no espaço. A melancolia me toma a alma, me arranca o fôlego, mas não me traz a morte. Acho que a vida sabe o quanto ainda devo viver para talvez poder aprender o que não consegui nessa longa caminhada que fiz até aqui."
"Mas como alguém que 'viveu' tanto não sabe de nada, não é possível, simplesmente não é possível. Conheço o pôr-do-sol, o brilho da lua, o barulho do mar, mas não é tudo o que pra conhecer, é o mínimo, essencial, mas é o mínimo, vamos, puxe aí, esforce-se, você deve ter algo a dizer de você, alguém." Disse um deles. "É, bem, não sei o que dizer... Sim, o que é isso, eu lembro-me de algo, crianças, eu acho... sim, crianças correndo em um quintal cheio de flores, flores de não sei que cores, talvez todas as cores, talvez, eram flores? o que seriam senão flores. Sim, eram flores, e tinham árvores, me lembro agora das folhas, deve ter tido vez, alguma vez, ou vezes, algumas vezes em que escorreguei minha vista para outro lugar. (Vista ingrata, olhaí, eu vi algo além de meu nariz, mas será que foi de vontade própria? bem, a vista não foi ingrata, sendo assim... -Devaneou ele). Eram crianças correndo, eu feliz, havia alguém à meu lado, eu sorria? sim, eu sorria, era feliz? talvez eu tivesse sido feliz. Sorrisos não são sempre felicidade, sorrisos não são o sinônimo de felicidade. Mas será que fui feliz, vendo aquelas crianças correndo ao meu redor, sorrindo, gritando, cantando, dançando. Ela pegou em minha mão, eu tremi, olhei para ela, ela me olhou de volta, rostos vermelhos é de que me lembro agora, será que estávamos nos conhecendo, será que aquelas crianças eram puro pretexto para algo maior, será que, será que vivi e me perdi no meio? É um emaranhado de perguntas, há um mar de segredos, de mistérios aqui em mim, os quais agora necessito desvendar." Preciso.! Preciso de um álbum de fotografias, preciso ouvir o som daqueles que desprezei, preciso ver,  já revi o que havia pra rever, já pensei o que havia pra refletir. Preciso de minha visão para VIVER o pouco que me resta." Os viajantes, ouviram, falaram, deixaram-no só. Foram em rumo à rodoviária, pegaram o ônibus que os levaria para algum lugar ou lugar algum. De repente uma luz, um grito sufocado e ele voltou a enxergar. Saiu em direção a uma casa. Uma grande casa situada em um local ainda não tomado pela verticalização. Bateu palmas. Uma mulher saiu à porta. Sorriu. Ambos sorriram. E ele lembrou-se de uma vez por todas de tudo o que havia perdido, o que havia abandonado. A mulher veio, abriu o portão, ele adentrou à casa. Depois disso, o que aconteceu somente à ele (ou à eles) cabe saber. 

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